Adeus ao(s) contrato(s) de trabalho de papelaria(s)
28 de Julho de 2017, 15:46
O empregador que ainda não disse adeus aos “modelos” de contratos de trabalho e não conta com análise jurídica necessária encontra-se muito desprotegido.
Adeus ao(s) contrato(s) de trabalho de papelaria(s)
O empregador que ainda não disse adeus aos “modelos” de contratos de trabalho e não conta com análise jurídica necessária encontra-se muito desprotegido.
Para muitos empregadores, infelizmente, o uso de parênteses para acomodar plurais ou diferenças de gênero, como intencionalmente mostra o título deste artigo, é algo muito familiar na contratação de empregados, tendo em vista o uso indiscriminado de formulários padrões de contratos de trabalho, como os clássicos “contratos de papelaria”.
A eles se juntam os muitos que se servem de “modelos” de contratos emitidos por sistemas de gestão de folha de pagamentos e de recursos humanos, além dos não menos numerosos “empregadores googlers”, que contratam seus empregados com o uso de “modelinhos” que povoam a internet. Empregadores assim negligenciam riscos trabalhistas e de tributação do trabalho que podem surgir a partir de cláusulas contratuais inexistentes ou que não refletem a vontade das partes e a realidade de relações jurídicas que deveriam ser protegidas.
Esse tipo de descaso talvez tenha se consolidado com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) nos idos da década de 1940, quando surgiram os arts 4421 e 4432 da CLT para permitir que o contrato de trabalho seja até mesmo oral ou tácito. Mas a sociedade avançou e as relações de trabalho evoluíram e se tornaram mais complexas.
O simplório contrato de trabalho em folha única e de poucas linhas na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do empregado ou as cláusulas rasas e genéricas de contratos padrões, portanto, passaram a ser inócuos em termos de segurança jurídica e caminho certo para contingências de toda sorte.
Uma boa prática, portanto, é a do empregador que celebra seus contratos de trabalho de maneira personalizada, sempre por escrito, um para cada tipo de empregado, nível hierárquico, departamento, negocio, setor, profissão e jornada de trabalho, por exemplo. Logicamente que minutas padronizadas podem e devem existir, até mesmo para a economia de tempo e recursos financeiros.
Mas para que isso ocorra, por um lado, a elaboração do contrato de trabalho padrão deve obrigatoriamente passar por exame minucioso de todas as peculiaridades, intenções, condições e regras que mereçam ser acordadas entre as parte. Isso pode ser o diferencial para que o empregador, em caso de defesa ou proteção de seus interesses, em âmbito judicial ou não, possa exercer seus Direitos.
Por outro lado, o empregador deve cuidar para que o contrato de trabalho escrito não se torne uma restrição ao seu amplo poder de dirigir a relação de trabalho. Certas situações demandam que o empregador possa escolher e decidir livremente, sob pena de seus negócios e do próprio trabalho serem prejudicados. Afinal, o poder de direção é Direito exclusivo do empregador segundo dispõe o art. 2 da CLT3.
Do mesmo modo, embora antiga, a legislação trabalhista já regulamenta diversas hipóteses, o que dispensa a reprodução no contrato daquilo que já é legislado. Esse cuidado serve inclusive para que, caso a Lei seja alterada, situações desnecessariamente reguladas pelo contrato de trabalho não prevaleçam.
E com a aprovação da “modernização trabalhista”, consolidada na novíssima lei 13.467/17que altera a CLT a partir de 11/11/17, a elaboração de contratos de trabalho seguros e eficazes será ainda mais obrigatória, inclusive para mitigar o risco de interpretações distorcidas acerca das várias possibilidades de dúvidas.
Recentemente, por exemplo, comentamos4 que o atual § 2 do art. 2 da CLT5 diz que empresas de um mesmo grupo econômico são responsáveis solidárias pela relação de emprego como um todo (obrigações e Direitos), o que as permite utilizar de empregado de uma empresa para trabalho em benefício de outra se não houver ajuste em contrário
Mas a partir da nova CLT, referido enunciado passará a dizer que a tal responsabilidade solidária dar-se-á apenas quanto às “obrigações decorrentes da relação de emprego”, ou seja, um contrato de trabalho com cláusula bem feita nesse aspecto pode ser decisivo em caso de questionamentos6.
A regulamentação do teletrabalho pela nova CLT, como no caso dos chamados home office, é outro exemplo de como o contrato de trabalho escrito e cuidadosamente personalizado será indispensável.
O regime precisará de contratação expressa com o empregado (futuro art. 75-C da CLT),7 sendo que o contrato escrito deverá especificar quais atividades serão realizadas pelo empregado, além de dispor sobre a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado (futuro art. 75-D da CLT)8.
Além disso, o art. 444 da CLT permanecerá vigente mesmo com a modernização trabalhista. Segundo ele, “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.
Assim, em tempos em que a palavra da moda é compliance, prevenir comportamentos ilícitos e ilegais na relação de emprego com base nessas diretrizes passa a ser a regra, mediante a estipulação, por exemplo, de cláusulas no contrato de trabalho acerca de não-concorrência; não solicitação; confidencialidade; fiscalização dos meios de comunicação e equipamentos fornecidos pelo empregador; armazenamento e uso dos dados sobre os empregados (no tempo e no espaço); autorizações diversas para descontos salariais e rescisórios; propriedade intelectual e industrial, entre muitas outras possíveis.
Fácil concluirmos que o empregador que ainda não disse adeus aos “modelos” de contratos de trabalho e não conta com análise jurídica necessária encontra-se muito desprotegido.
Em verdade, o empregador que age sem cuidar bem de seus contratos de trabalho, deixa de exercer a plenitude da direção da prestação de serviços por seus empregados e potencializa os riscos de sua atividade econômica, riscos que por imposição expressa da Lei são exclusivamente dele.
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1“Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.”
2 Art. 444 CLT - “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.”
3 Art. 2º CLT – “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”
4 “Reforma trabalhista pode acabar com o empregador único”, publicado em 21/6/2017 no portal Consultor Jurídico.
5 Art. 2º. § 2º CLT - “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.” (Destacamos)
6 Art. 2º. § 2º CLT - “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.”
7 Art. 75-C CLT - “A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.”
8 Art. 75-D. - “As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.”
*Fabio Medeiros é advogado empresarial Trabalhista e de Tributação do Trabalho no escritório Machado Associados Advogados e Consultores. Especialista em Direito do Trabalho e Mestre em Direito das Relações Sociais
Fonte: Fabio Medeiros
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